O HOMEM DA MOTO HARLEY


Era uma tarde verão, o sol estava escaldante e tudo estava muito quente. Ao andar nas ruas, dava pra ver as meninas de saia com as pernas abertas ventilando a perseguida suada, era uma forma muito sadia de se refrescar e chamar a atenção dos meninos que passavam, via-se também as folhas secas planando no pouco vento que perambulava por ali. Ao se olhar o asfalto, dava pra ver o tremular do ar quente. Esse era um dos motivos de se visitar o barzinho do tio Zeca: O calor; o outro era garçonete, uma bela morena com quadris largos e grandes seios.

O barzinho do tio Zeca, como é conhecido por todos, é parada segura pra quem tem fome, sede ou quer vagabundear. Todo a cidade sabem muito bem quem é e onde fica. Ótimo lanche e maravilhoso local pra passear com a namorada, esposa e filhos.

A garçonete Larissa ganhou o apelido de Fruta Do Dia, reunia tudo que há de bom das mulheres frutas da TV aberta.  Ela tem a enorme poupança da mulher melancia, se não fosse maior, tem os seios lindos da mulher melão e o corpaço da moranguinho. A cintura parece ter sido projetada e criada por um fazedor de violão, curvas a perder de vista. Tem os olhos negros como a noite sem luar. Encantadores. Os cabelos lisos e negros alcançam às nádegas. Na verdade ela não era muito esperta para ser uma garçonete, pois era bem ruim em cálculos, mas chamava a freguesia pro bar, até as mulheres vinham ver a Fruta Do Dia. Educada e muito gostosa, esperta não, não mesmo, isso nunca foi um problema.

No calor danado do dia, uma moto Harley Davidson parou em frente ao bar. Todo mundo parou por um segundo e olhou pra trás pra ver quem era. A moto tinha um som que parecia um rosnado de um leão bravo e com fome, era um som oco e cavernoso. Nada se podia ver na verdade ao se olhar de dentro do bar pra fora, a luz ofuscava, apenas se via a silhueta de um magrelo e um pouco alto. O homem iria entrar no bar, e foi o que fez. A garçonete boazuda, Fruta Do Dia, teve um pequeno acesso de riso, que logo procurou esconder ao ver quem pilotava a moto. Achava que seria um homem alto e forte do tipo bonitão: Um galã americano. Ao invés disso desceu um bostinha magrelo e sem o mínimo de beleza.

O motoqueiro era uma espécie vara de pescar ambulante que anda de moto. Usava uns óculos gigantes que tomava conta do rosto quase por completo. Tinha as juntas engraçadas, se podia ver os ossos protuberantes. E no corpo todo se via uma enorme quantidade de veias ramificadas que desciam do topo cabeça a ponta dos pés. O corte de cabelo era do tipo militar, bem curto, quase raspado na maquina zero. Não possuía beleza, tinha o nariz aquilino e feio de tão grande. Tinha num dos braços marcas de cicatriz bem antigas, mas profundas, talvez cicatrizes de guerra. No outro braço varias tatuagens estranhas, demônios voavam e mulheres nuas mortas, crianças com cabeças decepadas pareciam chorar, e animais tomavam o sangue e comiam os corpos. Usava uma camiseta regata com uma caveira toda permeada com uma enorme serpente peçonhenta que segurava em sua boca uma faca cega, era uma caveira estilo IRON MADEN. A calça era toda em couro negro envelhecido e bem detalhada nos bolsos e bainhas. Nos pés uma bota do tipo motoqueiro fantasma, toda em couro negro, na qual estavam cravados inscrições incompreensíveis, algo parecido com aerógrafos satânicos ou algo assim. E tinha um andar bem parecido aos movimentos de uma marionete, era bem desengonçado e curvo.

Ele, com certa rapidez, entrou e sentou-se no banquinho com assento avermelhado e pediu um copo americano de suco da época, não quis mais nada,  apesar da moça Fruta do Dia ter lhe oferecido outras opções de acompanhamento. Mesmo assim, não os quis. Ficou ali calado e inerte sem incomodar ninguém.

Tomava um gole grande e logo abaixava a cabeça, meditabundo. Parecia a todos preocupado e ao mesmo tempo triste.

Só lhes parecia.

No canto direito ao fundo do bar, se você prestasse a atenção, estava o valentão da cidade, conhecido por todos como Pablo, talvez esse nem fosse seu nome de verdade. Era do tipo que bate em todos desde a escola e nunca teve medo de ninguém, nem de seu próprio pai, o fortão. Reza à lenda que já matou alguns, muito dubitável, claro. Na sua companhia estava Samuel, seu melhor e único amigo, fiel companheiro na hora da pelejas. Juntos nunca perderam nenhuma briga. Estavam ali pra tomar umas cervejas geladas e, como a maioria das pessoas que vão ali, olhar a Fruta Do Dia, “muito gostosa”. Ao ver o magrelo na maravilhosa moto Harley chegar ao bar, isso os consumiu por inteiro de inveja e ódio. Eles iriam puxar uma conversa e uma confusãozinha, claro. Isso já era de seu feitio, mexer o com um estranho que chega à cidade. Sabe, era praxe, tipo se vai ao medico tem que tomar uma injeção. Ou seja, “se chega ou passa por nossa cidade tem que pagar pedágio, todos pagam, todos”.

Pablo sempre fora forte e robusto. Quando mais moleque, era gordinho e alto, o que dava certa força superior aos demais magrelas e pequenos “amigos” de infância, aqueles amigos que lhe davam o lanche por livre e espontânea pressão. No decorrer do crescimento foi ficando mais forte e tomando certos produtos nocivos ao ser humano comum e que lhe deixou com aparência ainda mais forte. As famosas Bombas. Sempre forte e grande isso sempre causou medo nas pessoas que topavam com ele. Já o ar de valentão e malvadão fora herdado de seu pai, alcoólatra irrecuperável que toda vez que chegava das ruas dava-lhe uma sova pior que a sova anterior. Pablo não tinha medo dele, o odiava, era seu monstro, seu demônio pessoal. Um certo dia, ele saiu pra mais uma de suas noitadas de muito álcool e mulheres e nunca mais voltou. Foi o dia mais feliz de sua nefasta vida.

Quando o motoqueiro entrou e sentou no barzinho, um olhou pro outro e fez um gesto de “vamos lá?”. E ambos consentiram afirmativamente com a cabeça.

Pablo pegando no ombro do homem da moto pergunta:
-Como vai, amigo? De onde você é? – perguntou ordenando uma resposta. Não era uma pergunta amiga, não mesmo. Era do tipo “qual é cara, o que você quer por aqui?”.

O homem fingiu que a pergunta não foi feita pra ele. E simplesmente ignorou. Pablo não gostou disso nem um pouco, e repetiu a pergunta tocando com mais força ainda, dando uma pequena sacudida no ombro dele:
- Como vai amigo? De onde você é? – repetiu Pablo.

Havia algo que não podia ser normal nele, pois não deu nenhuma olhada na boazuda garçonete, nem uma sequer. Não era natural. Como pode ser? Todos olhavam, era algo impossível de não olhar. “entende né?”. Simplesmente entrou, sentou e não olhou pra Fruta do dia. Seria gay? Não parecia ser, e mesmo os gays davam uma olhadela pra ver ser era mesmo de verdade tudo aquilo.

Dessa vez o homem da moto olhou Pablo. Seu olhar não era nem um pouco agradável ou suportável, era um misto de demônio das trevas com a mais pura insanidade, loucura completa. Pablo nunca teve tanto medo de alguém antes, e não podia deixar transpassar isso nesse momento, assim ele perderia sua moral pra sempre na cidade. E perder a moral é como rasto de pólvora, rapidinho se espalha e todos logo saberiam.

-O que você quer? – disse o homem. – Nada tenho que possa lhe interessar, nada.- continuou imperiosamente e num tom que assustou quem estava a sua volta. Uma mulher ao próximo deles desmaiou de medo. O homem da moto deixava algo fluir dele, como um olor, mas era muito ruim e causava tremores a todos ao redor.
Pablo olhou pra Samuel que estava do outro lado do homem da moto e pela primeira vez, desde que se conheceram, ia dizer “deixa pra lá, cara, vamos embora, deixa esse babaca ai!” Mas Samuel entendeu o olhar como “é hora do PAU, vamos foder esse babaca!!!” e desferiu um baita soco na nuca do homem da moto que caiu na mesa de cara no copo de suco que estava tomando. Os óculos se quebraram e se partiram em dois, vindo a cair no chão do bar.

A garçonete boazuda segurava os seios com uma das mãos como se eles fossem cair do tórax, e com a outra tapava a boca com cara de pânico.

-Porra, Samuel, que foi isso? Espera eu mandar as coisas. Assim não dá. –disse Pablo irado.

-Desculpa, foi mal, mas já foi. - disse Samuel contrafeito segurando a mão a qual latejava de dor do soco que acabara de dar.

Olharam ao derredor, todos os fitavam chocados com a ação de Samuel. O homem caído na mesa parecia sangrar. Estaria desmaiado?

-Que, que foi seus porras, vão se foder!!! –gritou Pablo sem medo deles nem do que poderia vir futuramente. –Vão cuidar de suas vidas!

O homem da moto primeiro se mexeu e depois ergueu lentamente a cabeça melada de sangue da mesa e se pôs de pé com certa dificuldade. O sangue continuou correndo pelos seus ombros e se dispersou no peito. Nesse momento Pablo, percebeu que ele era alto e muito magrela. Olhou pra ambos, Pablo e Samuel, direita e depois esquerda. Um dos olhos do homem da moto foi perfurado pelo copo e jorrava sangue ininterruptamente num pequeno e curto jato. Em sua mão, surgiu não se sabe de onde exatamente, uma longa faca que alcançava o meio da canela.

O homem da moto sorriu (parecia até feliz).

-Eu disse pra ele. –murmurou o homem da moto –disse que não tinha jeito.

A faca brilhou de tão afiada que estava. E tinha umas manchas de sangue antigas como velhas facas de açougueiro. O cabo muito malfeito pelo próprio dono também tinham marcas envelhecidas pelo tempo.

Os minutos seguintes só puderam ser narrados pelo único sobrevivente que fugiu pela janela de vidro e até hoje é cego por ter furado seu olho com um caco de vidro da mesma janela. E talvez só tenha escapa por certa vontade do homem da moto, pois algo incomum aconteceu naquele dia, as portas não se abriram, as janelas tão pouco, os vidros não se quebraram, era uma jaula, um matadouro. O homem da moto os cortou com muita crueldade como um lenhador ao rachar sua lenha, sobe e desce o machado, no caso do homem da moto subia e descia a longa faca. Foi horrível. O pior era a lúgubre risada do homem da moto, alta e estridente como uma criança muito feliz a brincar com seus amiguinhos num playground. Enlouquecido. Ele riu, gargalhou muito enquanto exterminava todos no bar do Zeca naquele dia muito quente.

A garçonete ficou em frangalhos. Totalmente irreconhecível. Estava de boca aberta como se pedisse socorro. A língua foi colocada de forma proposital num buraco abaixo da garganta. Seu corpo fora dependurado nua na porta do bar, como um símbolo. Sua pele fora removida por completo, uma nova com sangue fresco estava à mostra e escorria como se ela estivesse viva, mas não estava mais. Sua forma guapa ainda continuava, claro, mas era doentia demais e medonha. Não se podia mais dizer quão linda era agora. Não mais.

O chão do bar ficou uma enorme poça de sangue e tripas, misturado com muitas fezes e urina. Em cima de cada uma das mesas um corpo dilacerado fora posto com muito cuidado.

Depois de tudo, o homem da moto tomou o que restara do suco em seu copo quebrado, saiu do bar com passos lentos como entrara anteriormente, montou em sua moto Harley Davidson, tirou do bolso e ascendeu um cigarro e foi embora.

Nunca mais fora visto por ninguém.

Não vivo.

E não nesse mundo.

Fica a pergunta: será que tudo isso teria acontecido se Pablo não tivesse bolinado a paciência do homem da moto? Nunca poderemos saber a verdade.

FIM POR ENQUNATO.

Postagens mais visitadas