A GARRAFA NA PRAIA



Uma breve introdução.

A história veio num passe de magica, enquanto eu lia o romance Revival, de Stephen King. E não pude contê-lo de forma alguma em minha cabeça. Fui completamente dominado. Nem consegui continuar a ler. Parei, coloquei o livro de lado - com muito cuidado, é claro - e escrevi o conto que você verá a seguir.

Espero que goste, ao menos um pouco. Ou não. Não me importo com isso. Mas o que importa realmente é que eu me diverti para cacete escrevendo-o.


***


Foi meio que sem querer que, quando resolvi fazer uma caminhada na beira da praia e pisar em um pouco na areia quente, num domingo de folga, encontrei a porra da garrafa e nela estava escrito “Para você, meu amor, Rivaldo”.

Que? Como, em nome de todos os santos, essa droga de garrafa veio parar justamente na praia onde eu estava? Se ela jogou em alto-mar. Talvez muito longe de onde eu estava, como veio parar aqui? O destino? O acaso? Ou um dos mistérios insolucionáveis do universo? Bom, eu não sei dizer. Só sei que veio até mim no dia e na hora certa. Mesmo assim continuaria um mistério para o resto de minha vida.

Eu não podia acreditar. Essa pessoa já não fazia parte de minha vida a muitos anos. Sequer ouvira falar nela, a não ser, irregularmente, em meus sonhos, aqui e ali, como um pesadelo que se repete, eu a via. Foi como estar dormindo acordado e desperta ainda em pé, após levar um baita choque. Pow. Mas de certa forma, eu fiquei feliz com isso. Ou não.

Logo saberia.

O bilhete estava endereçado a mim, mas.. como... eu estava parado na praia fitando um garrafa com um papel dentro. Eu precisava tirá-lo dali imediatamente, mas algo me conteve. Medo? Talvez. Mas acho que foi outra coisa. Talvez algum tipo de nostalgia. Do tipo que nos deixa catatônico. Sabe como é, né? Eu estava congelado. Respirei fundo e tentei tirar, mas era complicado. Demorei um pouco, mas depois de algumas tentativas infrutíferas, e de meu dedo quase ficar preso na boca da garrafa, eu consegui.

Ufa!

Não o li de cara. Não. Eu precisava estar num lugar familiar, minha casa, e num lugar tranquilo para ler, minha casa de novo.

Guardei no bolso e fui para casa, finalmente.



O que estaria escrito lá, talvez pudesse mudar minha vida. Bom, meu amigo, talvez não, eu já era um homem crescido a muito tempo, já tinha feito minhas escolhas (as boas e as ruins também) – então, não. Mas talvez pudesse mudar minha forma de pensar no passado, onde achei que havia errado feio com ela.

Ou não.

Assim que lesse essa porra de bilhete que tanto me torturava, eu veria. Né?




Entrei apressado como um homem com caganeira das brabas (-Mas ele vai demorar, moça? - perguntou o homem ao telefone. -Acho que não, senhor, ele já entrou peidando.¹) que carrega um bomba muito sensível. Do tipo que faz o cara correr uma ligeira marcha atlética. Tentei abrir a porta o mais rápido que pude. Mas antes deixei a droga da chave cair. Pisei em cima dela. Tentei Tirar o pé de cima, peguei a chave e acabei pisando nos dedos da mão. Que merda, que merda! - pensei. Que homem pisa na própria mão? Eu, né? Claro. Ou um homem muito apaixonado. Ou talvez um bobo tentando fazer uma gracinha. Mas eu não era nenhum do dois. Só estava apavorado. Mas ainda não conseguia saber o motivo disso.

Sentei na cadeira carcomida próxima à janela da frente, que gemeu quando coloquei meu traseiro nela. E antes de pegar a carta no bolso de trás da calça jeans, tive que abrir a janela, eu precisava de vento. Pois estava respirava com certa dificuldade. E o peito ainda pulsava irregular.

Eu precisava estar num lugar familiar, minha casa, e num lugar tranquilo para ler, minha casa de novo.

Procurei o danado bilhete no bolso onde havia colocado e quase não o encontrei, era apenas um pedacinho de papel sujo. Tive que procurar em todos os bolsos e, só depois que voltei ao bolso onde jurava que estaria, é que pude encontrá-lo. Eu estava parecendo um drogado na fissura.

Peguei o bilhete finalmente, já meio puto, e o encarei por alguns segundos(por que se escondeu, seu pestinha?). Ele começava da seguinte forma:

Ola, meu amor.
Saudades.

E seguiu a mesma linha:

Faz muito tempo que não nos vemos. Espero que ainda lembre de mim. Espero que ainda sinta alguma coisa por mim. A mínima que seja. Pois tenho uma coisa maravilhosa para te contar. E mesmo que não sinta mais nada, eu gostaria de dizer. Bom, como o papel é muito pequeno, serei sucinta. Peço apenas que continue lendo, por favor, meu amor, meu único e verdadeiro amor.

Eu tremia. Tais palavras, amor, único e verdadeiro, nunca estiveram numa mesma sentença quando ela se referia a mim. Não dessa forma. Que porra aconteceu mesmo?

Percebi que havia uma forma de gota bem no meio do papel, eu podia jurar que tinha sido de uma lágrima. Ela poderia muito bem estar chorando quando escreveu tais palavras. Ou poderia ser apenas água. Mas não eram, não. Eu tinha certeza disso.

Senti meu coração acelerar como um carro velho que só pega no tranco. Mas dessa vez ele pegou, e eu pude sentir o tum, tum, tum dentro do meu velho peito, de tal forma que fez minha camisa pulsar acompanhando as batidas.

Eu te amo. Sempre te amei. Nunca, jamais, duvide disso. Mas a vida nos quis em mundos diferentes. Admito que posso ser a culpada. Mas isso não importa agora. Não mais.
Peço seu perdão. E gostaria de dizer algo que talvez seja o curativo para a ferida que sei que causei em seu coraçãozinho (me arrependo amargamente disso, tá?): se tivesse continuado ao seu lado, seria como estar no paraíso; se tivesse continuado ao seu lado, tudo seria diferente e perfeito, tanto para mim como para você, pois sei que me amava. Talvez hoje não.
Mas isso não importa agora. Não mais.
O navio onde estou sofreu um grave acidente, bateu em alguma coisa grande. E nesse momento o navio está naufragando em pleno oceano (Titanic? Nãão). Eu sei que vou morrer. E por isso tomei coragem de dizer essas palavras. Palavras verdadeiras e do fundo do meu coração.
Cara, eu te amo muito.
Adeus.
Da pessoa que vai te amar para sempre,
Ruanda.



Quando terminei de ler, primeiro deixei minha mão cair lentamente no sobre minha coxa esquerda e, depois, chorei. Chorei muito. Copiosamente. Como um bebê que está sem a mãe e precisa mamar.

Aquilo me fez lembrar de coisas que jurei nunca mais rememorar. De coisas que eu odiava e que me faziam sofrer como uma ferida aberta que sangra. Mas que, de alguma forma, em algum lugar sombrio e medonho, essa porra ainda estava dentro de mim. Como um catarro que você escarra e cospe, mas que, se ficar algum resquício, por menor que seja, ele volta da mesma forma. Acho que foi assim que tudo voltou a minha mente. Bastava apenas uma pequena tossida, e a carta foi essa tossida.

Depois de tudo e tanto tempo offline desse amor sofrido e cruel, eu pude dizer a mim mesmo que ainda a amava e que ainda a queria. Talvez fosse apenas dó de saber que ela tinha morrido de forma tao cruel. Afogada. Ou talvez fosse apenas a fagulha que faltava para reacender tudo.

Funcionou.
Mas isso não importa mais. Não mais.

Finalmente, eu a tinha bem perto de mim, no meu coração. Mas isso não importa mais. Não mais.

- Cara, eu também te amo também – disse meu coração chorando por ela.


***

Quando acordei, me debatendo na cama como um homem se afogando, meu coração estava tão agitado que parecia ter planejado a fuga pela minha goela. Minha boca estava seca, sem um pingo de saliva, e eu estava lavado de suor. O pesadelo tinha sido muito real. E não conseguia saber se realmente estava acordado. Ou se ainda estava dormindo, sonhando um sonho dentro de outro sonho. Muitas vezes isso tinha acontecido, mas nunca dessa forma. Com tanto realismo. Coloquei a mão no peito, dizendo ao meu coração “calma, garoto. Tudo já acabou”. Mas ainda me restava saber o que tinha sido aquilo. Um premonição? Ela estava viva e morreria num naufrágio? Nunca saberia a resposta. E qualquer coisa que imaginasse naquele momento ou num futuro próximo, seria mera suposição. E com o tempo, até mesmo esse sonho intruso e escroto foi esquecido. E, graças ao meu bom e amado Deus, jaz no lugar de onde veio.


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